quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O portal da meia noite



Outubro de 1993. O vento soprava lá fora, arrancando as folhas dos galhos. Batia portas e janelas, como um pianista sem ritmo.
Do lado externo do mundo o seu coração batia. Podia sentir o som das vozes desajeitas o ritmo da casa, da rotina. Queria enxergar, mas não conseguia. A luz do mundo estava apagada, para ela, mas isso não a assustava.
Os anos foram se passando e o mundo ganhando forma.
Os dias eram lentos, Amora sentava em frente à janela e ali permanecia, ouvindo a vida pulsar. Às vezes sua mãe deslizava seus dedos sobre ela, acariciava seus cabelos cor de amora, textura de amora, fios de Amora.
E o relógio girava e o céu mudava de cor, as notas no seu ouvido iam diminuindo lentamente, repousava o corpo e mente no silencio da noite.
Todo o dia Amora acordava com o desejo de tocar coisas novas, deparando-se com paredes frias e os mesmos objetos de sempre...
Queria sentir a terra, o calor, a chuva...
Queria ouvir vozes novas, sentir o mundo. Não, ela não acredita ser diferente. Podia ver o mundo com as mãos e isso a fascinava.
Cansada de relutar pelo direito de explorar a vida, sentou de frente para a mesma janela de sempre: cortina lisa, comprida com uma leve elevação no seu centro. E ali ficou durante horas quando, de repente, um novo som percorreu o seu corpo. Sentiu-se livre, suave...
Estilhaços de vidros quebraram a paz.
Acordou em um lugar diferente, com sons diferentes.
Amora sentiu-se confusa, desorientada... Tentou levantar, mas perdeu o equilibro. As duas camadas de plumagem acopladas em suas costas não estavam mais ali... Cambaleou, tropeçou, esbarrou sua cabeça em um jaleco muito bem alinhado que suavemente desamarrou a plumagem amarrada para trás. Recobrou o equilíbrio, deitando novamente na cama passando a ouvir vozes que falavam sobre asas, sobre anjos quando adormeceu.
Os ponteiros do hospital marcavam meia noite e Amora dormia tranquila, sono quebrado por uma luz atingiu a sua visão. Abriu os olhos rapidamente transformando o seu mundo em um mosaico de cores. Pode ouvir novamente a melodia que lhe causara alguns arranhões no final daquela tarde... Toda de branco ela cantava lindamente, balançava a plumagem colorida voando pelo quarto. Na parede, um portal. O anjo voou até ele e chamou por Amora que permitiu tocar o céu.

Sabrina Stolle

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Vitral

Estilhaçou a vida
Quebrando toda uma história como uma arte sem objetivo
Como pinceladas sem ritmo...
Cada caco colado na tela de vários mundos
O mundo de Maria,
De Tereza e de Joana
Mundos cortados por vidros
Rabiscos de sangue sem significativos
Gotas de lágrimas derramadas por uma obra sem sentindo...
Imprimindo no corpo retalhos da janela
Deixando a gravidade e as nuvens embalar o corpo.

Sabrina Stolle

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O passado voa ao lado



As asas acinzentadas quebraram a paz do ar...
Voou, lentamente, o mais alto que pode
Parou no ar feito uma gota de chuva congelada no tempo.
Vi seus olhos fixados em mim, neles refletido todas as lembranças; um passado sem fim...
E em silêncio mergulhou no céu rumo a terra, como uma estrela caindo.
Ganhou velocidade, colidiu em mim...
Fragmentos prateados cobriram o meu corpo
Senti meus pés levitarem, não hesitei
Abri os braços e deixei o vento fluir pelos desenhos do meu corpo...
Rodopiei como uma bússola em tempestade
Até encontrar as suas asas coladas em mim,
Direcionei-as para a eternidade e voei, simplesmente voei...

Sabrina Stolle