“O que é poesia?”
Questionava o terno preto de passos simétricos e mente
difusa.
Mais um dia chegara ao final e como de costume pilhas de
relatórios o aguardavam em casa, porém fora um papel preenchido de silêncio que
roubara sua noite. Material já desgastado, pelo tempo, ausente de palavras e ao
mesmo tempo repleto de discurso; cores que descreviam além de todas as
informações e termos científicos dos livros espalhados por sua sala. Resolveu,
então, ali ficar.
As luzes da cidade já perdiam seu brilho e lentamente a
segunda feira adormecia. Retirou o relógio do pulso guardando-o em seu paletó
de fibras perfeitamente alinhadas. Sentou-se ao chão fixando seu olhar, por
fim, naquela figura cravada na parede que tanto lhe falava.
Questionou novamente, desta vez em voz alta: “o que é
poesia?”
- Poesia é você.
Assustado levantou-se subitamente retornando a consciência:
um advogado de sucesso há alguns passos de sua casa, sentado ao chão exposto
aos perigos de uma metrópole quase adormecida.
- Óh não acelere seus passos novamente, gosto da poesia que
você escreve: Pernas sutilmente alinhadas, costas inclinadas, olhar que grita e
ao mesmo tempo acaricia as partículas do cimento; uma suavidade e agressividade
que enlaça a vida no imaterial.
Parou por um instante,
olhou para ambos os lados da rua; para frente e para trás direita e esquerda
sem nada encontrar.
- Quem é você? Onde esta? Não possuo nada de valor comigo,
mas pode ficar com minha maleta meu terno...
Sua fala fora interrompida subitamente:
- Não! Não! Olhe com poesia. Eu gosto da forma como escreve,
seus gestos compõem uma das letras mais bonitas que eu já vi.
Apesar de confuso, resolveu abandonar a racionalidade
(alucinação? Estresse? Efeitos colaterais de muito trabalho?) e voltou, novamente,
seu olhar e atenção para a imagem colada na parede. Direcionando sua visão para
a única direção que ainda não havia verificado: para cima, de forma mais
poética: para o céu.
E lá estava ela, circulando de um lado para o outro em um
fino fio dourado preso suas extremidades em duas estrelas.
Ela pendeu de um lado para o outro, deslizando seu pequeno
corpo. Retomou o equilíbrio, esboçou um sorriso solicitando:
- Conte-me mais uma poesia.
Sentou-se surpreendido. Detinha domínio sobre leis, contribuiu
com vários seminários, mas nada sabia e dominava sobre arte.
E a garotinha, agora observava intrigada.
- Eu gosto tanto da sua poesia. O jeito que você escreve
seus pensamentos e dúvidas nas suas expressões faciais, o seu corpo ora rígido
ora relaxado. Faça mais poesia para mim.
Despido de qualquer pensamento voltou seus olhos, enfeitados
por sobrancelhas negras mescladas com fios da idade, para a imensidão do céu.
Olhou além da garotinha sentada em um fino fio dourado que o fitava com uma
expressão passiva e curiosa ao mesmo tempo. Observou a imensidão das estrelas
que gotejavam no céu e imaginou os planetas e suas cores, quando de repente,
seus olhos que circulavam de um lado para o outro, de cima para baixo, de baixo
para cima, fixaram-se em uma única imagem brilhante e de forma diferente das
demais, foi assim que iniciou sua fala.
Entusiasmada a garotinha pronunciou:
- Continue, por favor!
E assim ele prosseguiu:
- E ela que se destacava entre os demais permanecia sempre
só.
Era noite de eclipse e o céu estava em festa, estrelas
formavam pares, dançavam e espalhavam luz.
Ao passo que a lua, contemplava mais um eclipse de sua vida
vazia.
Mas algo incomum aconteceu:
Outra esfera brilhante, de forma igual a sua, vindo de outra
orbita colidiu com ela. Elas se olharam, analisaram como se uma fosse o reflexo
da outra.
A partir deste dia a lua nunca mais ficara só.
Agora eram duas luas no céu, dois feixes brilhosos que dançavam
na imensidão azul.
E antes que o homem de terno preto retomasse a realidade
dizendo que o que acabara de contar era uma breve história, um conto ou qualquer
outra coisa além de poesia, a menina esboçou um sorriso que aumentavam na mesma
proporção em que seus olhos fixos nele, gritavam de alegria. E foi sorrindo e
sorrindo até que ela e seus lábios viraram estrelas, estas que como um raio se espalharam
pelo céu.
Sabrina Stolle