quarta-feira, 29 de julho de 2015

Inocência



Despiu o coração com os olhos
 O corpo com as mãos:
 ternura que arrancava sutilmente a vergonha, o pudor do corpo pálido.
Tomou posse do vestido quadriculado com a mesma intensidade que tomava em suas mãos a alma.
O zíper chiava entre as respirações,
flagelos de palavras presas na garganta.
Boca seca.

Os cílios mal se moviam: medo de perder cada movimento.
E quanto mais se tirava mais se encontrava.
Um pouco de poesia entre uma vértebra e outra,
Primavera entre os fios dourados do cabelo.
Entre o pescoço e o umbigo pétalas brancas se misturavam a nudez...
Os pés permaneciam inquietos, como Joana na corda bamba.

A noite quase virou dia,
Que por um descuido
Deixaram deslizar por entre os dedos a razão.
Cobriram-se de abraços e afagos antes que o sol batesse na janela.

Sabrina Stolle

Pedra de jardim transformada em um pedacinho de céu.


Apenas mais uma reflexão e nada mais



Palavras deslizam pelas paredes, pelos outdoors pelas ruas da cidade.
Frases e textos que penetram a rotina sem pedir licença. Invadem pupilas cercadas de azul, preto, castanho e verde. Adentram conexões nervosas de donos de várias idades.
Informações que causam dor, esperança, alegria e tantas outras emoções instigadas por diversas temáticas e comunicados.
E de todas as consoantes, vogais, sílabas e fonemas uma frase, contendo quase todas elas, mergulhou subitamente em um pijama doce e infantil que cobria suavemente um coração e alma transformados, uma garotinha agora já crescida.
O pedaço de alfabeto percorreu cada canto daquela epiderme, agora já aguçada. Espiou cada fio, cada pinta como dois amantes que ao se amarem encontram sua extensão no outro. E foi exatamente esta a mensagem em que frase, pedaço de alfabeto, viera sussurrar sobre a pele e pensamentos da menina agora mulher da mulher ainda menina.
Palavras que gritavam que encontros e toques não são apenas o envolvimento entre duas pessoas e sim a entrega e o encontro consigo mesmo, com toda a sua existência. 
Relacionar-se saudavelmente é estar consciente que somos seres dotados de um vazio inato, como postula a psicanálise e o budismo, cuja falta não é possível ser preenchida pelo outro ou coisas materiais. Aliás, a própria psicanálise, diferente da visão budista, afirma que esta falta é impossível de ser preenchida, porém podendo ser sublimada.
Estar disposto ao encontro com o outro de forma plena e pura é se permitir olhar para si, voltar-se para seu âmago e visualizar de forma sincera e receptiva os seus limites; anseios, medos e desejos. É observar atentamente e carinhosamente seus defeitos e qualidades. É aceitar seu passado, estar de bem com o presente e traçar metas atingíveis para seu futuro.
Encontrar-se com o outro é muito mais do ser compreensivo e respeitoso com o semelhante e seus defeitos e sim ser também compreensivo consigo pelo simples fato de ser humano e ser suscetível a erros, sendo o respeito e sinceridade voltados para si atitudes essenciais.
Este assunto me faz recordar de outra cena: dois enamorados cujos rostos dançavam feito dois bailarinos de papéis. Lábios que percorriam o rosto com total sintonia, do pescoço até a testa. Boca que escorregava pelo nariz oposto em perfeita sincronia. Olhares que se encontravam entre o atrito suave de uma pele com a outra.
E assim, o corpo dela e tudo que a pertencia e a constituía se estendida ao passo que sua face deslizava sobre a face dele. E ele, sentia-se alongar a cada toque, a cada carinho e beijo que recebia e doava. 

Sabrina Stolle

Mais uma sublimação de tinta e madeira