sexta-feira, 13 de junho de 2014

Desatino



Abriu os olhos sem pestanejar
Não reconhecendo nenhuma parte daquele corpo refletido nos espelhos.
Tentou tocar os fragmentos,
As luzes dissolviam a pele.
Gotículas de cristais emanavam da sala refletora...
Os dedos alisavam as paredes espelhadas,
O corpo deslizava como pétalas pelo vidro,
Absorvendo, tomando para si o similar desconhecido.
O calor do seu corpo entrava em atrito com os cristais
Cacos de vidros eternizados.
A alma aquecia os espelhos com cada toque
Com cada caricia
Matéria fria agora quente...
Trincava a vida, rompia as ondas bagunçava o ar
Movimentos abruptos e suaves contra a própria imagem
Fagulhas de vidros dilaceravam o eu e o outro
Uma verdadeira simbiose letal. 

Sabrina Stolle. 

domingo, 1 de junho de 2014

A última estação


O corpo oscilou como uma folha que se depreende do ganho. Suas sandálias cor caramelo já haviam percorrido aquele trajeto dezenas de vezes, mas sua mente não. Tinha o coração viajante, fazia do mesmo percurso países e décadas diferentes. Tropeçou.
Levantou um pouco desajeitada, o cabelo bagunçado, meia fina rasgada. Os passos cambaleantes seguiam os rastros do chão. Uma linha férrea enterrada por poeira de saudade, por poeira de sentimentos. Podia ouvir as notas do metal aproximarem, mas não hesitou em mudar de caminho. Sentia o corpo estremecer, rachar como tinta de tela esmagada. A estampa do seu vestido dançava com o vento.
As lembranças desprendiam do corpo à medida que o trem aproximava-se. Espalhando pelo ar sorrisos, lágrimas canções de ninar. Uma fotografia distorcida. Um conto sem fadas.
Os átomos do automóvel deslizaram pelas suas costas, penetraram na pele e na alma. Acariciaram os cabelos, desprenderam as fitas de cetim. Elevou ao céu seu coração viajante sem deixar vestígios.

Sabrina Stolle