Encontro-me sentada no jardim. Ainda não decifrei como cabia
tanta vida naqueles olhinhos já sem brilho. A rotina tornava-se nova e tão
antiquada ao mesmo tempo, como o museu de Langy. O dia parecia um navio
ancorado no fundo do mar. Nem tão grande e nem tão pequeno, um tamanho
suficiente para guardar as malas da viagem, comportar duzentos passageiros e
esconder na ferrugem do seu esqueleto os risos e gemidos de uma noite em alto
mar. Assim encontrava-se o dia, um círculo viciante de várias caricaturas e
ações presas nos rumores do tempo.
Fundida a tudo isso eu permanecia em pé, também invisível,
ao lado da escuridão daquele olhar. E dentre todas as coisas eram eles que me
capturavam e davam movimento a mim, me fazendo flutuar nas águas repletas de
almas que dançavam enquanto a embarcação afundava. Eu não reconheci as cores, eram
fusões de todos os sabores e tonalidades do mundo um emaranhado de histórias e
sensações contidas em cada uma daquelas pessoas. Porém meu campo de visão voltava
constantemente a ele. Sua alma era clara e limpa, como uma brisa de inverno.
Ele contornava as criaturas marinhas em uma performance que impediam até que eu
piscasse.
Um carro buzina, o sinal fecha e eu retorno a realidade. Ele ainda continua do meu lado, sem vida e tão vivo ao mesmo tempo. Um verdadeiro paradoxo.
Um carro buzina, o sinal fecha e eu retorno a realidade. Ele ainda continua do meu lado, sem vida e tão vivo ao mesmo tempo. Um verdadeiro paradoxo.
Deito-me ao seu lado, algumas
pessoas desviam seus olhares a mim e outras continuam no automático. Agora o único
movimento que exerço é a minha respiração. Seu corpo está gelado, mas seu olhar
queima como a última brasa de uma fogueira que insiste em não se apagar. E não
vejo mais o mundo do ângulo de um navio afundado. Vejo o mundo com os olhos
dele, posicionados no céu mantendo a concentração nos voos. Sinto-me em êxtase,
fazendo piruetas entre as nuvens. As asas, agora minhas, batem forte e devagar,
com ritmo e sem ritmo. Um verdadeiro compasso descompassado.
Vou experimentando as asas até
perder o controle. As penas colidem com a vitrine de uma loja, caem. Espalham-se
no chão e no ar. Suas cores migram para meu olhar e tornam-se cinza. O corpo
cambaleia e cai ao chão, mas os olhos continuam cheios de vida tentando voar.
Novamente desperto ao real pelas notas desafinadas da rotina. Levanto e me direciono
a massa. Seu canto ecoa fortemente em meus ouvidos, não olho para trás e sigo.
Os passos aumentam e o canto diminui, ouço agora apenas o canto dos automóveis.
Sabrina Stolle
Uau! Esse texto me fez lembrar quando eu era criança e alguns pássaros ficavam presos na nossa garagem. Eles se debatiam contra o vidro e acabavam ficando presos. Nem todos eu conseguia salvar, infelizmente.
ResponderExcluirSucesso com seus textos. Não pare de escrever.
Infelizmente estes acidentes acontecem..Este texto foi inspirado em um pássaro que vi caído após colidir com o vidro de uma loja. Mas eles podem continuar vivos através das palavras. Em poemas e textos eles voltam a vida, dançam no céu voam sem limites ;)
ExcluirObrigada pelo apoio viu
Você tem toda a razão, mas infelizmente alguns pássaros voam longe demais e quando tentam retornar, faltam até nas palavras. Adoro o jeito que escreve, não pare, tá?! Sucesso.
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